O presidente da República, seus ministros e a questão sanitária.

Nos últimos dias, muito se tem debatido, com relativo interesse, mas pouco discernimento, acerca do papel dos ministros em razão dos cenários sociais e de saúde pública que a nação ora vivencia.

Sobre isto, destaca-se, inicialmente, que os ministros de Estado não são mais do que auxiliares do presidente da República, o qual detém o mandato popular para governar o país, exercendo a chefatura do Poder Executivo do Estado. É o está estabelecido no artigo 76 da Constituição Federal. Assim sendo, os ministros trabalham pela justificação do mandato do chefe de Estado ao qual se reportam em tudo quanto disser respeito à direção superior da administração federal, nos termos do artigo 84, inciso II, da Carta; e o fazem assim nos acertos quanto nos erros, não sendo absurdo imaginar que possa haver entre eles - presidente da República e seus ministros - troca de opiniões, debates e até divergências. Neste último caso, convém lembrar, prevalecerá sempre a orientação política do presidente, não a do ministro. Isto é intrínseco da ordem constitucional em vigor, como forma de expungir eventuais manobras de uma protoconcorrência - identificável ou não - que aspire precocemente à Presidência da República ora ocupada por autoridade diversa. Um cenário, aliás, não muito distante de uma realidade política marcada pela polarização ideológica, partidária ou corporativa. Ou tudo isso ao mesmo tempo... Ora, neste momento dramático da vida nacional é tudo o que não pode acontecer: concorrência política.

Parece claro, não fosse a precisão do texto constitucional, que não se pode gostar de um ministro sem gostar, primeiro, do presidente da República que o nomeou e o mantém no cargo por estrita conveniência e discricionariedade da autoridade. Desse modo, elogiar a criatura e desconhecer o criador, mesmo no plano humano, é, no mínimo, desrespeitoso. A Constituição não tolera voluntarismos, menos ainda conspirações. O valor dos ministros do presidente da República é consubstancial ao valor deste. Goste-se ou não. Simples!

Outrossim, num contexto de surto epidêmico, o efetivo combate desse mal exige concentração e uniformização de esforços, jamais concorrência. O efeito dessa conduta concorrencial, não raro emulativa, pode ser desastroso em relação aos objetivos sanitários declarados de combate e superação de um quadro epidêmico específico e de grandes proporções. A propósito disso, a decisão sobre isolamento social, mais ou menos intenso e/ou prolongado, é política, ainda que seja assistida de aconselhamento técnico. Por isso, essa decisão deve ser uniforme e soberana, confiada ao chefe de Estado.


Sobretudo, cabe ao cidadão de bem confiar nas autoridades, quando elas se conduzam dentro do espectro normativo de suas próprias funções de competência, porque Deus capacita os escolhidos. Essa é a crença dos cristãos, mas é também o núcleo da convivência democrática e republicana no Estado de Direito. O chefe de Estado é o timoneiro da Nação e saberá decidir na hora certa, especialmente as demandas mais cruciais e exigentes para a nação brasileira. De fato, não se observou até aqui a prática de desvios funcionais substantivos que pudessem alimentar validamente, do ponto de vista ético, laivos de irresignação cívica. Desse modo, episódios de resistência que tal, elevando os níveis da retórica de ocasião e até da urbanidade, parecem, de rigor, idiopáticos na presente quadra da vida da República. O pundonor patriótico exige melhor perfil de conduta pessoal e coletiva, quer a governantes quer a governados.

É desse último contexto que se pode descrever, naturalmente, a intrigante e também perturbadora possibilidade de que tudo o quanto servir para aproximar os dados epidemiológicos da realidade pode não interessar aos políticos, especialmente àqueles em pé-de-guerra ou de olho nas eleições. Eis aqui um quadro demasiadamente tupiniquim e subdesenvolvido, mas lamentavelmente recorrente entre nós. 

Com efeito, o Governo constitui uma única fonte de poder, conforme as competências próprias que lhe são atribuídas constitucionalmente, e assim deve continuar para dimensionar adequadamente as políticas públicas, as quais devem ser adotadas em favor da população. Quem preferir alternar esse exercício, favor aguardar as próximas eleições e aceitar o jogo democrático.

Desse modo, o presidente da República, a quem Deus permitiu fosse eleito e o capacitou para o respectivo exercício, saberá proceder em razão dos altos interesses da nação que ele representa, quer para manter quer para substituir o atual Ministro da Saúde, cuja performance oficial, nada obstante os indiscutíveis méritos do titular, vem, contudo, cedendo espaço a uma já enfadonha polarização política que tantos transtornos tem causado à nação e ao povo.

É bem por isso que, em atenção ao debate que vem sendo travado em torno da conveniência, ou não, sobre a permanência do atual Ministro da Saúde no exercício do cargo do qual, aliás, é demissível “ad nutum”, conforme o artigo 84, inciso I, da Constituição, que não se descura do monumental equívoco segundo o qual o presidente haja relativizado o surto epidêmico do momento. Em que pese o linguajar por vezes coloquial que marca o estilo popular do atual chefe de Estado, isso simplesmente não aconteceu. A propósito, essa alusão, bastante repetida pelos veículos de grande penetração midiática, traduz apenas uma narrativa, dentre tantas que objetivam questionar e até desqualificar a autoridade maior do Estado brasileiro, e jamais uma leitura isenta dos acontecimentos. O argumento reúne, pois, um claro color ideológico que não aproveita ao Brasil. O que, a bem da verdade, defende o presidente da República nesse tema é a racionalização dos cuidados profiláticos associados, pois as soluções radicalizadas não parecem merecer dos infectologistas mais abalizados do mundo inteiro o respectivo aval, nada obstante as especificidades de cada país e de cada povo. A própria Organização Mundial de Saúde (OMS) reconheceu isso posteriormente às suas iniciais manifestações oficiais sobre a pandemia em curso no planeta. 

Portanto, não há um conflito entre médico (Ministro da Saúde) e autoridade pública (presidente da República). O que parece evidente é que o presidente da República não fala por si, mas aconselhado por técnicos do mais elevado calibre que têm colaborado na formulação das políticas públicas associadas para inserir no país uma só linha de atuação para o episódio da presente emergência epidemiológica. Uma só política pública para o tema, obediente às suas complexidades técnicas, deverá ser de todo modo adotada e funcionar a contento. O atual Ministro da Saúde trabalha nesse sentido, que é justo a orientação presidencial, embora em ritmo próprio. Quiçá por isso mesmo, a decisão ainda está sendo maturada, como tem de ser e nada obstante os apoios de urgência que vêm sendo de todo modo administrados Brasil afora pelas três esferas do poder político nacional e mais o Distrito Federal (União, Estado-membro e Município).  Essa política pública uniforme certamente será adotada, tão mais rapidamente quanto possível, estabelecidas as devidas condições materiais para isso. A seu tempo e modo. Nada de precipitações ou açodamentos, salvo para o enfrentamento imediato dos casos que já se apresentam para cuidados clínicos. 

O que não pode acontecer no controle epidemiológico de grandes proporções (ou nacionalizado) é a fragmentação regional e até mesmo local para um exercício plenipotenciário da autoridade sanitária no território nacional, pois as competências dos Estados-federados e dos Municípios são residuais às competências da União, ainda quando concorrentes, umas e outras.

Diante dos acontecimentos recentes e da exposição aqui estimada, pode-se afirmar, finalmente, que o presidente da República, auxiliado pelos seus ministros, está constitucionalmente certo, exatamente porque, no momento, está acompanhado de técnicos, e não de políticos.

Dr. Roberto Wanderley Nogueira
Juiz Federal
Professor de Direito da UFPE

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1 Comentários

  1. Muito estranho, de fato, o comportamento de certas "pessoas" a quererem agir como salvadores da pátria. Hipocrisia pior que qualquer vírus. "Agentes infiltrados"?

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